Estado de suave emergência – confinar em part-time Diogo Belard Correia | Associado Sénior Abreu Advogados Como poderá ser reduzido o risco de contágio e travado o aumento de novos casos e internamentos? Aparentemente, segundo o Governo, será simples: Durante os dias de semana, entre as 23h00 e as 05h00, deveremos todos ficar em casa. Perguntará o leitor – mas então e as discotecas e estabelecimentos similares não estão encerrados durante este período já desde o passado mês de março? Sim, mas, uma vez que os estabelecimentos de restauração estão em funcionamento, poderá ser que o Governo entenda que esta limitação terá algum alcance prático, supomos nós, na “incontrolável” procura pelos estabelecimentos de restauração a partir das 23h num dia de semana. Mas não fiquemos por aqui – durante os fins-de-semana e feriados, antecipa-se o início do confinamento para as 13h00, o qual se estenderá até às 05h00 do dia seguinte (sem prejuízo da suspensão das atividades em estabelecimentos de comércio a retalho e prestação de serviços, em conselhos de risco muito elevado e extremo, durante o período não compreendido entre as 08h00 e as 15h00), salvo se for aplicável uma das muitas exceções à obrigação de confinamento. Supomos igualmente que será benéfico concentrar o acesso a espaços comerciais e de restauração num período limitado do dia, apinhando pessoas em espaços fechados, com a época natalícia à porta. Refere-se no diploma que regulamenta a aplicação do estado de emergência que se pretende um âmbito de aplicação limitado. Quanto a este ponto, somos forçados a concordar, aliás, tão limitado, que será porventura inútil e contraproducente. E o que acontecerá caso não sejam cumpridas estas medidas? O Governo antecipou que nada haverá a temer, já que não haverá coimas. Quanto muito, poderão as situações de incumprimento ser qualificadas como crimes de desobediência, imputáveis àqueles que declaradamente não acatem com as ordens que venham a receber pelas forças e serviços de segurança. Em suma, o país que fique descansado, que, uma vez mais, foi tudo pensado ao pormenor... Muita tinta correu já sobre as medidas tomadas durante a pandemia, questionando-se a sua adequabilidade e proporcionalidade. Dados os impactos transversais no tecido social e económico, as opiniões são díspares e dificilmente conciliáveis. Compreende-se a dificuldade em estabelecer medidas que pacificamente permitam mitigar o aumento dos contágios, evitar que os hospitais atinjam a saturação, evitar a rutura da economia bem como atenuar o desgaste social sentido nos últimos meses. Afigura-se uma tarefa hercúlea acompanhar o manancial legislativo, bem como saber interpretá-lo de forma global. Resta, por fim, uma tarefa praticamente impossível, a de compreender o racional de algumas das medidas que têm sido tomadas. O setor de hotelaria e da restauração está moribundo e será novamente objeto de medidas cujo alcance prático útil para a saúde pública são, no mínimo, questionáveis. É necessário travar a pandemia, disso não temos dúvidas. Não se tenha, porém, a ilusão de que os setores de atividade mais fragilizados (sem prejuízo dos impactos na economia no seu todo) serão capazes de absorver contínuas e sucessivas perdas, sem fim à vista, tanto para mais atendendo às indicações do Governo de que o principal foco de novos contágios serão, desta feita, os designados “ambientes familiares”. Recordamos as palavras proferidas por Fernando Ulrich em 2012, a propósito da resiliência do povo português à austeridade: “Ai aguenta, aguenta”. Com as devidas adaptações, a resiliência no combate à pandemia é um desígnio e obrigação de todos nós, mesmo com uma vacina no horizonte próximo. Não será seguramente o estado de emergência numa versão simplificada que permitirá ao Governo dar as respostas necessárias, seja no fortalecimento SNS e na definição de adequadas políticas de saúde pública, quando ao mesmo tempo deixa muitas outras coisas para trás, sem que se consiga retirar o alcance prático útil de tais medidas. E, no final disto tudo, veremos quem aguentou.
Estado de suave emergência – confinar em part-time
Estado de suave emergência – confinar em part-time Diogo Belard Correia | Associado Sénior Abreu Advogados Como poderá ser reduzido o risco de contágio e travado o aumento de novos casos e internamentos? Aparentemente, segundo o Governo, será simples: Durante os dias de semana, entre as 23h00 e as 05h00, deveremos todos ficar em casa. Perguntará o leitor – mas então e as discotecas e estabelecimentos similares não estão encerrados durante este período já desde o passado mês de março? Sim, mas, uma vez que os estabelecimentos de restauração estão em funcionamento, poderá ser que o Governo entenda que esta limitação terá algum alcance prático, supomos nós, na “incontrolável” procura pelos estabelecimentos de restauração a partir das 23h num dia de semana. Mas não fiquemos por aqui – durante os fins-de-semana e feriados, antecipa-se o início do confinamento para as 13h00, o qual se estenderá até às 05h00 do dia seguinte (sem prejuízo da suspensão das atividades em estabelecimentos de comércio a retalho e prestação de serviços, em conselhos de risco muito elevado e extremo, durante o período não compreendido entre as 08h00 e as 15h00), salvo se for aplicável uma das muitas exceções à obrigação de confinamento. Supomos igualmente que será benéfico concentrar o acesso a espaços comerciais e de restauração num período limitado do dia, apinhando pessoas em espaços fechados, com a época natalícia à porta. Refere-se no diploma que regulamenta a aplicação do estado de emergência que se pretende um âmbito de aplicação limitado. Quanto a este ponto, somos forçados a concordar, aliás, tão limitado, que será porventura inútil e contraproducente. E o que acontecerá caso não sejam cumpridas estas medidas? O Governo antecipou que nada haverá a temer, já que não haverá coimas. Quanto muito, poderão as situações de incumprimento ser qualificadas como crimes de desobediência, imputáveis àqueles que declaradamente não acatem com as ordens que venham a receber pelas forças e serviços de segurança. Em suma, o país que fique descansado, que, uma vez mais, foi tudo pensado ao pormenor... Muita tinta correu já sobre as medidas tomadas durante a pandemia, questionando-se a sua adequabilidade e proporcionalidade. Dados os impactos transversais no tecido social e económico, as opiniões são díspares e dificilmente conciliáveis. Compreende-se a dificuldade em estabelecer medidas que pacificamente permitam mitigar o aumento dos contágios, evitar que os hospitais atinjam a saturação, evitar a rutura da economia bem como atenuar o desgaste social sentido nos últimos meses. Afigura-se uma tarefa hercúlea acompanhar o manancial legislativo, bem como saber interpretá-lo de forma global. Resta, por fim, uma tarefa praticamente impossível, a de compreender o racional de algumas das medidas que têm sido tomadas. O setor de hotelaria e da restauração está moribundo e será novamente objeto de medidas cujo alcance prático útil para a saúde pública são, no mínimo, questionáveis. É necessário travar a pandemia, disso não temos dúvidas. Não se tenha, porém, a ilusão de que os setores de atividade mais fragilizados (sem prejuízo dos impactos na economia no seu todo) serão capazes de absorver contínuas e sucessivas perdas, sem fim à vista, tanto para mais atendendo às indicações do Governo de que o principal foco de novos contágios serão, desta feita, os designados “ambientes familiares”. Recordamos as palavras proferidas por Fernando Ulrich em 2012, a propósito da resiliência do povo português à austeridade: “Ai aguenta, aguenta”. Com as devidas adaptações, a resiliência no combate à pandemia é um desígnio e obrigação de todos nós, mesmo com uma vacina no horizonte próximo. Não será seguramente o estado de emergência numa versão simplificada que permitirá ao Governo dar as respostas necessárias, seja no fortalecimento SNS e na definição de adequadas políticas de saúde pública, quando ao mesmo tempo deixa muitas outras coisas para trás, sem que se consiga retirar o alcance prático útil de tais medidas. E, no final disto tudo, veremos quem aguentou.